Graciliano Rocha
Às vésperas da Intentona de 1935, líder comunista pede envio de agente soviético e prevê levante de massas
Em documentos obtidos pela Folha, Prestes vê oportunidade de tentar derrubar Vargas, então debilitado por greves
Manuscritos do líder comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990) evidenciam a influência soviética na Intentona Comunista, como ficou conhecida a tentativa de derrubar Getúlio Vargas do governo na década de 30.
A Folha obteve cópias dos quatro primeiros documentos de Prestes, guardados em Moscou há 75 anos. Em outubro, o governo russo começou a transferi-los do acervo do Komintern -a 3ª Internacional Comunista- para o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.
Num relatório em espanhol, datado de 6 março de 1935 -oito meses antes da eclosão do levante-, Prestes faz um apelo para que Moscou enviasse um agente ao Brasil: "A viagem de Rústico [codinome do agente] é cada vez mais urgente".
Em esboço de telegrama datado do mesmo dia, ele diz que sua "entrada no país" está "cada vez mais difícil" e que é "necessário" o envio de "aparato" - não é explicado o que seria isso. O local onde Prestes estava quando escreveu esses textos é incerto.
Em carta, Prestes relata ao Secretariado Executivo do Komintern, em Moscou, que Vargas se debilitara com a "ofensiva do proletariado e empregados do governo por melhora de salário". A reação às greves, escreve ele, viria na forma de uma "nova lei contra os "extremistas'".
Aprovada pelo Congresso e sancionada por Vargas em abril, a Lei de Segurança Nacional criminalizou greves do funcionalismo público, agitação nas Forças Armadas e a propaganda subversiva.
Antifascismo
A carta de Prestes integra um conjunto de comunicações entre o Komintern e agentes na América do Sul entre o final de 1934 e 1935. Parte dos documentos foi revelada no livro "Camaradas" (Cia. das Letras, 1993), do jornalista William Waack. Waack teve acesso aos papéis após o fim da URSS.
Ainda no manuscrito de 6 de março, Prestes propôs que o PCB explorasse ao máximo o seu nome, famoso desde a Coluna dos anos 20, para orientar politicamente a ainda incipiente ANL (Aliança Nacional Libertadora). O comunista já vislumbrava o programa da era pós-Vargas.
O surgimento da ANL, um consórcio de opositores a Vargas, ajustava-se à política do Komintern de estimular a formação de frentes populares em todo o mundo para combater o fascismo.
"As condições atuais no país nos dão a perspectiva de um grande movimento de massas em apoio à ANL, a qual poderá mesmo organizar um governo revolucionário provisório", escreve Prestes no documento.
Derrota
O objetivo imediato seria "mobilizar as mais amplas massas contra o imperialismo e o feudalismo" a partir de um programa brando, pelo aumento de salários e desarmamento dos fascistas.
A história mostraria que não havia "movimento de massas" disposto a fazer a revolução. No final de novembro de 1935, houve levantes em Natal e no Rio, rapidamente debelados. Prestes foi preso em 1936 e no ano seguinte começaria a ditadura do Estado Novo (1937-45).
Moscou só enviou 4 dos 38 documentos
Em material recebido em outubro, há relatório sobre a ANL e anotações sobre viagem de Prestes ao Brasil em 1935
Aprovação de líder na cúpula do Komintern está entre documentos que o Arquivo Nacional ainda não recebeu
Os quatro manuscritos obtidos pela Folha integram um conjunto de 38 documentos que o governo da Rússia se comprometeu a repassar ao Arquivo Nacional, no Rio.
Pedidos de cópias são feitos desde 2005 pela viúva do líder comunista, Maria Prestes, 80, mas a decisão de fornecê-las foi selada em reunião entre os presidentes Lula e Dmitri Medvedev em março deste ano.
A lista completa abrange documentos que vão de 1928 a 1941. O Arquivo Nacional informou que recebeu apenas os manuscritos e que já entrou em contato com o Arquivo do Estado Russo de História Política e Social para o envio do material restante.
Os quatro manuscritos foram repassados pelo número 2 da diplomacia russa, Andrey Denisov, ao diretor do Arquivo Nacional, Jaime Antunes da Silva, em cerimônia no Itamaraty, em outubro.
São eles: relatório sobre a situação do Brasil e da Aliança Nacional Libertadora e uma anotação sobre sua viagem ao Brasil, ambos datados 6 de março de 1935; o esboço de um artigo de Prestes sobre o Exército Vermelho, de 1934, e um telegrama sobre participantes de um Congresso Antiguerra ocorrido no Uruguai, em 1933.
Os outros documentos da lista -e que o Arquivo Nacional diz não ter recebido- captam lances decisivos da preparação e do fracasso da Intentona Comunista, conforme a Folha apurou. Alguns já são conhecidos por pesquisadores brasileiros desde os anos 1990.
Há três atas com a assinatura dos homens mais poderosos do Komintern. Uma delas, de 11 de março de 1934, guarda possivelmente indícios da discussão da primeira grande operação de Moscou para desestabilizar um governo na América do Sul.
Em 8 de junho do mesmo ano, uma reunião da comissão política da executiva do Komintern aprovou o ingresso de Prestes como membro da cúpula da organização -referendado depois. A Embaixada da Rússia em Brasília não se manifestou.
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